quarta-feira, 27 de junho de 2007

[veja] 80 anos da resistência do povo mossoroense ao bando de Lampião

Por José Romero Cardoso (profº de Geografia da UERN).

Oito décadas atrás, precisamente a 13 de junho de 1927, Mossoró enfrentava sua mais acirrada prova de fogo, cujo sucesso rendeu-lhe o epíteto de Verdun potiguar, em alusão ao heroísmo belga quando da violenta agressão germânica no ensejo da primeira grande guerra. Rumores de que Mossoró poderia ser alvo de um violento ataque cangaceiro surgiram no vale do Piancó, oriundos da cidade de Itaporanga, a partir de informações encaminhadas pelo comerciante Antônio Pereira Lima, irmão do “Coronel” José Pereira, de quem Lampião era inimigo figadal.
Alerta fora encaminhado ao prefeito de Mossoró - “Coronel” Rodolfo Fernandes – por intermédio do amigo paraibano Argemiro Liberato de Alencar, político de destaque na cidade de Pombal. Estrela de primeira grandeza dentro da estrutura proto-mafiosa vigente na década de vinte do século passado, Vírgulino Ferreira da Silva não hesitou, ao ser cooptado por cangaceiro de nome Massilon Benevides Leite, para aglutinar forças e rumar a Mossoró, intuindo atacá-la e se beneficiar do impressionante capital acumulado graças à dinâmica econômica do município sertanejo.

Cangaceiro com pouca projeção dentro do esquema que prevalecia no banditismo rural sertanejo, há provas de que Massilon havia colocados seus préstimos a serviço de influentes personalidades da região do Apodi, com ênfase à figura de Décio Holanda, genro de Tilon Gurgel, chefe político de Pedra de Abelha, hoje município de Felipe Guerra, estado do Rio Grande do Norte. Participação efetiva do “Coronel” Isaías Arruda, chefe político de Aurora, estado do Ceará, viabilizou ênfase ao ousado plano cangaceiro.

Informações preciosas repassadas por Massilon convenceram Lampião e seu bando a enveredar quatrocentos quilômetros de Pernambuco ao Rio Grande do Norte, palmilhando, em boa parte do ousado “raid bandoleiro”, território desconhecido, embora dominado pela caatinga, companheira inseparável das táticas de guerrilhas cangaceiras. Localizada em posição geográfica privilegiada, Mossoró havia substituído Aracati, no estado do Ceará, desde a década de setenta do século XIX, como importante pólo econômico-comercial, para onde convergia boa parte da produção sertaneja, tanto do oeste norte-riograndense como de estados vizinhos, a exemplo da Paraíba e do Ceará.

Entre as informações prestadas por Massilon, constava a mais preciosa, referente à pouca afeição mossoroense à defesa, pois, conforme esse cangaceiro, conhecedor profundo das ruas e becos do município potiguar, em razão que se ocupara com a condução de tropas de burros destinadas à região durante certo período de sua vida regular, a população estava mais ocupada com o comércio do que com qualquer esboço de reação contra eventual ataque de bandidos. Cidade rica com povo “mofino” representava a chance de Lampião e seu bando de enfatizar exponencial ganância, a qual se constituiu em marca indelével no que diz respeito à saga cangaceira comandada pelo tresloucado filho das plagas do Pajeú.

Definidos os pormenores do ousado plano de atacar a segunda cidade do estado do Rio Grande do Norte, juntaram-se a Lampião figura impares das crônicas de violência dos atribulados anos que marcaram as décadas de dez e de vinte do século passado no sertão nordestino. Sertanejos desviados dos caminhos da virtude e da moral, com nomes e apelidos inusitados, como “Jararaca”, Sabino, “Coqueiro”, “Navieiro”, “Mormaço”, “Colchete”, entre outros, perfazendo cerca de setenta e cinco homens, rumaram em direção ao destino final, traçado pelo atrevido cangaceiro-mór.

No ensejo da participação de Décio Holanda no plano de atacar Mossoró, houve invasão da cidade potiguar de Apodi, em maio de 1927, cujo objetivo maior definiu-se contra a pessoa do chefe político local, de nome Francisco Pinto, embora este tenha sido poupado devido oportuna intervenção do pároco do lugar.

O bando principal, combatido com estoicismo e heroísmo singulares por poucos defensores em Belém do Rio do Peixe, hoje cidade de Uiraúna, estado da Paraíba, foi retardado na marcha em direção a Mossoró. Desviados do plano original, os bandoleiros rumaram para Aurora, sob a proteção de Isaías Arruda, onde se reabasteceram de munição e víveres indispensáveis à efetivação do arriscado plano. Em Mossoró, poucos acreditavam na hipótese de que cangaceiros se deslocassem do sertão meridional objetivando atacar a importante cidade norte-riograndense. Somente Rodolfo Fernandes levou a sério a iminência da ameaça.

O ataque a Apodi era prova inequívoca de que algo estranho acontecia, mas principalmente em razão dos avisos expedidos por Argemiro Liberato de Alencar, em quem o chefe mossoroense depositava absoluta confiança.

Não demorou para que o bando maldito despertasse ermas localidades, perdidas nos confins do oeste potiguar, dos seus pacatos e tranqüilos cotidianos. Como uma horda de bárbaros enfurecida, os bandoleiros das caatingas dominaram, saquearam e fizeram reféns em Luiz Gomes, Pedra de Abelha e São Sebastião, hoje município de Governador Dix-Sept Rosado, chegando às portas de Mossoró dando vazão ao mesmo modus operandi que vinha caracterizando as ações implacáveis do ousado plano dos bandidos.

O frenético entusiasmo dos mossoroenses com o resultado do jogo entre os times locais – Humaitá e Ypiranga – fôra quebrado pela forma como o agente da estação de ferro de São Sebastião havia informado sobre a chegada dos cangaceiros na localidade. Mossoró, a cidade de quatro torres, despertou Lampião para a realidade. O bandido não acreditou no que viu, pois havia sido ludibriado por Massilon. A capital do oeste potiguar não era estruturada em espaço geográfico irrisório, suscitando, isso sim, possibilidades de resistência.

Abalado psicologicamente, pois de Natal não viera o tão esperado reforço, Rodolfo Fernandes resolveu armar trincheiras para defender a cidade que governava. A base principal se localizaria no Palácio-sede do executivo, hoje da Resistência. O então governador do estado do Rio Grande do Norte – Dr. José Augusto Bezerra – também não acreditava que a audácia dos bandidos fosse levada a tais termos. Recados foram trocados entre os oponentes. Lampião exigiu quinhentos contos de réis, mas, informado por um dos reféns, de nome Antônio do Amaral Gurgel, irmão de Tilon Gurgel, de que o município passava por problemas sérios em decorrência da seca que grassava o semi-árido, reduziu a exigência para quatrocentos contos.

Não obtendo resposta positiva, ponderando sobre o amargor de uma retirada vexatória, Lampião decidiu atacar a cidade, mas antes teve o cuidado de se proteger em posição estratégica, dentro do cemitério São Sebastião. Parecia estar extremamente desapontado com os companheiros que o ludibriaram, pois instruiu o bando a rumar justamente para os pontos de maior resistência. Antes observara todos os prováveis lugares que poderiam estar sendo usado pela população local como bases contra a invasão.

O povo de Mossoró reagiu com ímpar abnegação, transformando os locais visados pelos cangaceiros em fortalezas inexpugnáveis. Antes da invasão, houve intenso êxodo em direção às praias, ficando em Mossoró cerca de trezentos bravos defensores. Verdadeira “chuva de balas” foi despejada em direção aos bandoleiros, partida de pontos estratégicos como a estação do trem, o telégrafo, torres da igreja de São Vicente e da matriz, Casa Afonso Freire, Ginásio Santa Luzia, F. Marcelino & C. etc., mas principalmente do Palacete de Rodolfo Fernandes.

Calamidade inenarrável se abateu sobre os bandidos, com vários feridos pelas balas da resistência, inclusive mortalmente, como “Colchete”. Mossoró dava resposta à altura ao arrogante e bestial chefe supremo do cangaço. Responsabilizando-se pela quebra da invencibilidade do “rei do cangaço”, a resistência célebre do povo mossoroense se constitui em página épica da história e da glória de heroísmo que marcaram de forma impressionante à ênfase a um dos orgulhos do sagrado “País de Mossoró”.

1 Comentário:

Anônimo disse...

Massilon Benevides Leite, era meu tio e que ele morreu após o atasque a Mossoró. Descobri essa informação através de de um parente numa viagem que fiz a João Pessoa - Paraiba em 2005. A História que o meu parente conta (hj Aposentado da Policia Militar) é que a vida de Massilon Benevides é totalmente diferente das que leio nos artigos publicados na internet.
Quem tiver mais informações e puder me enviar, agradeço a atenção. Estou tentando me munir de informações e criar um memorial de familia de meu tio Cangaceiro.

Me envie informações para iararo4@gmailcom

OBrigada

Iara de Oliveira

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